Às vésperas de completar 44 anos, o volante Dema comemorou mais um título. Neste mês de novembro, foi campeão da 3ª Divisão Cearense de Futebol, com o Uruburetama. Depois de 14 estaduais conquistados na década de 90, principalmente com as camisas de Ceará, Remo e Paysandu, foi ídolo por onde passou e não desmerece o troféu conquistado mais recentemente.
- É muito bom trabalhar com essa galera na Terceira Divisão. Conquistar esse título é a concretização de um grande trabalho - afirmou.
Dema venceu a Terceira Divisão Cearense ao lado de garotos (a maioria), políticos e investidores da cidade de Uruburetama e um bando de loucos apaixonados por futebol e pela Banana Mecânica - como é conhecida a equipe do interior cearense.
O GLOBOESPORTE.COM/CE foi até a cidade de Itapipoca, a 130 quilômetros de Fortaleza, onde o Uruburetama estava mandando suas partidas, e acompanhou jogo decisivo contra o time de Barbalha. Na bilheteria, um dirigente do clube vendia os ingressos. À beira do gramado, o médico e vice-prefeito da cidade de Uruburetama estava pronto para prestar atendimento aos atletas. Já nas arquibancadas, o prefeito dividia churrasquinho com alguns dos 49 torcedores pagantes.
Torcida da Banana é animadora; renda dos jogos é que é pífia
O slogan 'Contra tudo e contra todos' bem que poderia ser utilizado como lema do Uruburetama. O time conseguiu ser campeão de uma competição totalmente deficitária, apenas com o apoio da torcida e de figuras políticas da região. Bastou perguntar sobre a renda dos jogos ao presidente do clube, Alexandre Nery, para entender melhor a situação.
- Renda? Que renda? Quase não existe renda em um campeonato como este. A gente paga para jogar. São quase dois mil reais por jogo que a gente gasta. Não há retorno nenhum - garantiu o dirigente.
O Uruburetama joga fora de casa, mesmo quando a partida tem a Banana Mecânica como mandante. Isso porque a prefeitura não conseguiu terminar as reformas do estádio Antônio de Paula Sales e acabou tendo que jogar no Estádio Perilo Teixeira, em Itapipoca, a 36 quilômetros de distância.
No Perilão, o Uruburetama é quem manda. Em dia de jogos do time, os torcedores se deslocam até a cidade vizinha somente para acompanhar a partida. O clube teve a média de 51 pagantes por jogo durante toda a Terceira Divisão Cearense. E isso só não é tão ruim porque, entre os dez participantes do campeonato, o Uruburetama conseguiu ainda a terceira melhor média.
Com tão pouca gente no estádio, policiais militares trabalham com a maior tranquilidade. Normalmente, seis são escalados para o jogo. Mas esse não é o único detalhe pitoresco e que faz do clube um verdadeiro vencedor. A mobilização para fazer futebol profissional no interior do Ceará é gigante.
Para começar, o próprio diretor de futebol do clube, Franciélio Melo, é quem vende os ingressos para o jogo na portaria do estádio e ainda faz promoções.
- É seis (reais), mas a gente faz a cinco (reais) para tentar atrair mais gente, até porque a maioria do pessoal vem de outra cidade - declarou Franciélio.
Os torcedores chegam ao estádio de moto, carro, bicicleta e até pau de arara (espécie de caminhão com carroceria improvisada para levar muitas pessoas), organizado pelos dirigentes do clube. Dos 100 ingressos postos à venda, metade quase sempre é devolvida à Federação Cearense de Futebol (FCF).
Ajuda caseira
As dificuldades financeiras fazem dirigentes se mobilizarem com lideranças políticas locais. O presidente do clube, por exemplo, é filho do vice-prefeito de Uruburetama, Artur Nery, que, por sua vez, é o médico do clube. É um senhor sexagenário que divide as tarefas do executivo com as de torcedor e de médico dos atletas.
- Para mim, é uma honra ajudar o Uruburetama e fazer parte de uma campanha como esta - disse o vice-prefeito.
Mas essa ligação entre futebol e política em Uruburetama não se restringe ao vice-prefeito em campo. A vereadora Stela Rocha (PPS) é a presidente da Câmara de Vereadores da cidade e torcedora número um do time. Das arquibancadas, grita o tempo todo, faz pressão no árbitro e incentiva os outros torcedores a vibrarem a cada lance.
- Eu sou uma desportista ativa. Acompanho o Uruburetama onde for porque eu gosto. E pode escrever aí que a Banana Mecânica está de volta - declarou a eufórica vereadora.
Para completar as ligações políticas, o prefeito da cidade, Giuvan Nunes, assiste aos jogos na arquibancada, ao lado da torcida. A maior autoridade política da cidade não exige privilégios no estádio. O prefeito come churrasquinho com os torcedores, se suja de farofa, bem no estilo 'povão'. E, antes de ser fotografado, pede para ajeitar o desgrenhado cabelo, enquanto os mais próximos falam.
- Deixa o prefeito bonito na foto! Esse é o nosso prefeito! - gritaram alguns torcedores.
Mas no que a reportagem do GLOBOESPORTE.COM/CE estava mesmo interessada em saber do prefeito era o porquê de o estádio Antônio de Paula Sales não ter conseguido ficar pronto a tempo e disponível para a Terceira Divisão do Campeonato Cearense.
- Não deu tempo. Acabamos não tendo os laudos aprovados. Mas ano que vem, se Deus quiser, vamos jogar em Uruburetama - disse o prefeito, já bem mais arrumado do que no início da entrevista.
Banana está voltando a ser 'Mecânica' e sonha em retornar à 1ª Divisão Cearense
O Uruburetama é conhecido como Banana Mecânica, pois a fruta é o principal produto da cidade. O 'Mecânica' foi emprestado da Laranja Mecânica, a Seleção Holandesa dos anos 70, que, por sua vez, faz referência ao filme homônimo de Stanley Kubrick.
O time ganhou um "novo velho" presidente em 2011. Alexandre Nery, que já esteve à frente do clube, agora voltou cheio de novas ideias.
- Nós temos um plano de metas muito bem definido para os próximos três anos. Vamos subir para a Segunda Divisão este ano e para a Primeira Divisão no ano que vem. Quero entregar o time quando conseguirmos permanecer pelo menos um ano na elite - afirmou Alexandre Nery.
O Uruburetama quer voltar a um lugar onde já esteve. Fundado em 1994, o clube já atuou na Primeira Divisão entre os anos de 1995 e 1999. De 2000 a 2006, esteve na Segunda Divisão, mas desde 2007 está no limbo do futebol cearense, mais conhecido como a Terceira Divisão. Chegou a pedir licença nos últimos dois anos.
A folha salarial do time é de R$ 20 mil. O clube sobrevive basicamente do apoio financeiro da Prefeitura de Uruburetama, que depende diretamente da força da economia local, baseada no cultivo da banana.
Equipe emprestada
O time hoje é formado por jogadores de duas equipes da Primeira Divisão Cearense e que estão emprestados ao clube: Itapipoca e Horizonte. O primeiro tem cerca de dez atletas emprestados ao Uruburetama, incluindo o baixinho Dema, principal jogador e articulador da equipe. O segundo tem três atletas atuando com a camisa da Banana Mecânica.
Pertencentes ou não ao Uruburetama, a única unanimidade entre os jogadores é o orgulho de ter feito parte desta conquista. A Banana Mecânica foi campeã de forma invicta. Foram 11 vitórias e cinco empates. Desta forma, o time sonha em chegar cada vez mais longe.
- As coisas não aconteceram por acaso com a gente. Nós temos uma equipe muito unida e vamos chegar muito mais longe. Somos os únicos invictos do Brasil - exagerou o goleiro do Uruburetama, Vivi.