Em meio a drama pessoal, Jorginho cresce para fazer sucesso na Lusa

 São Paulo

Aos 46 anos, Jorginho já passou por percalços demais na vida pessoal e profissional. Mesmo assim, o sorriso se mantém intacto no rosto deste autêntico paulistano, comandante da sólida campanha da Portuguesa na Série B do Campeonato Brasileiro. Com 33 pontos em 15 jogos, a Lusa é líder absoluta da competição e vai com moral enfrentar o Sport, neste sábado, às 16h20m (de Brasília), na Ilha do Retiro. Revelado dentro de campo na própria Portuguesa, em 1985, Jorginho voltou para "casa" depois de passagens por Palmeiras, Goiás e Ponte Preta.

Meia cerebral dentro de campo, Jorginho surgiu como técnico em 2009, ainda como interino do Verdão. Mesmo com a boa campanha no Brasileirão, deixou o cargo para a chegada do badalado Muricy Ramalho, que sequer levou o time à Taça Libertadores. Pouco antes do sucesso, perdeu o filho Leonardo em um acidente de moto. A irmã, Fátima, já havia sido vítima de um câncer em 2002. O técnico superou tudo isso e não perdeu o foco: queria se consolidar como técnico e ser reconhecido. Dois anos depois daquela campanha no Palmeiras, ele consegue se firmar entre as grandes revelações da profissão no Brasil.

- Aprendi a valorizar cada segundo dessa vida. Daqui você não leva nada, nem a vaidade... Penso nos meus familiares a cada momento – garante Jorginho, sem conter a emoção.

E foi assim, entre emoções, lágrimas e sorrisos, que o comandante da “Barcelusa” concedeu entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, em uma conversa de 45 minutos nas arquibancadas do Canindé, enquanto seus comandados iniciavam mais um treinamento físico no gramado.

- Tá famoso, né? – gritou um jogador.

- Corre aí e não enche o saco – devolveu Jorginho.

jorginho portuguesa técnico (Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)Jorginho conversa com o GLOBOESPORTE.COM no Canindé (Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)

Confira abaixo a íntegra da conversa.

GLOBOESPORTE.COM: Este é o melhor grupo com o qual você já trabalhou?
Jorginho: Comparações eu não gosto de fazer, mas é difícil formar um elenco como esse. Estão todos comprometidos com o clube, e querem se tornar campeões. Isso não é só da boca para fora. Claro que pode não acontecer, mas a chance é pequena, a ideia é ser campeão. Eles são os maiores merecedores de tudo isso.

Enquanto os líderes da Série A vêm oscilando, a Lusa está absoluta na Série B. Como manter essa constância?
Claro que uma queda sempre acontece, mas não queremos que seja tão cedo e nem bruscamente. Pode perder uma ou outra partida, mas nada além disso. O importante é o atleta sempre ter os pés no chão. Quando começa a ganhar, todo mundo eleva muito o jogador, e isso entra no subconsciente, querendo ou não. Essa vaidade toda deixa de acontecer a partir do momento em que não fazemos mais nosso trabalho. Então exigimos uma melhora a cada dia, exigimos uma cobrança natural um do outro, para que o colega do lado melhore um pouco mais. Digo que todos os elogios têm de ser aos jogadores, eles que trabalham, são muitas vezes ofendidos, colocados em dúvida ou exaltados na hora errada. Eles têm de superar tudo isso.

A meta é o título ou o acesso?
O título!

jorginho portuguesa técnico (Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)Jorginho brilha com a Lusa na Série B
(Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)

Por quê? É mais seguro pensar assim?
O título é o objetivo maior de qualquer competição, o atleta tem de saber lidar com isso, tem de se preparar, lutar contra todos a cada dia, a cada minuto. A competição é diária. Preciso procurar me manter sempre em primeiro, o jogador que quer vencer deve possuir esse pensamento. De 20 times, só um vai estar lá no topo.

Você sente que tem o grupo ideal para buscar esse título?
Enquanto houver oportunidade de inscrição, precisa-se de atleta. Vamos sempre procurar alguém dentro das condições da Portuguesa e do que é benéfico ao clube. Se vier só com nomezinho e status, não quero não! Tem de ter qualidade e tudo mais, mas principalmente compromisso com a Portuguesa de Desportos.

Como você conseguiu reconstruir esse grupo e formar o comprometimento dele com a Portuguesa?
Vou dar um exemplo. Se o grande pode, por que o pequeno também não pode? Todos podem. Os jogadores de menor porte físico, falo para não terem medo, pois todo mundo é igual. Eles acreditam neles e estão ficando tão grandes quanto os atletas maiores.

Você, baixinho, também já está ficando um grande no banco de reservas?
Não, não, não. Nem me considero e nem me importo com isso. Minha maior alegria é saber que os atletas, eles sim, estão se tornando grandes. Eles têm de ganhar tudo, saber lidar com isso, porque jogador de futebol não tem aposentadoria e muitos perdem tudo na vida. Quando eu jogava, não tinha vaidade, agora muito menos. Claro que nada disso estaria acontecendo se eu não tivesse a comissão técnica que eu tenho, eles são bem maiores do que eu. Por isso estamos chegando longe.

Muita gente se lembra de sua passagem pelo Palmeiras, mas você começou bem antes, não é?
Comecei em 2005 lá no Nacional ajudando o Túlio Tangione (técnico que treinou por várias vezes o clube da capital paulista, hoje na quarta divisão estadual). Fiquei dois anos e meio parado, pois perdi uma irmã, a Fátima, com câncer. Aí, meu filho, o Leonardo, ficou meio revoltado. Então parei de jogar em 2003 para cuidar um pouco dele e do Lucas (o outro filho), mesmo porque a vida inteira fiquei fora e longe dos meus filhos. Aí saí do Nacional e fui trabalhar de auxiliar do Oswaldo de Oliveira no Fluminense e no Cruzeiro. Não pude ir com ele para o Japão e depois assumi como coordenador do Palmeiras. Quando o Betinho saiu, fiquei no comando do time B, e depois o convite para o time principal, como todos sabem.

jorginho portuguesa técnico (Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)Jorginho usa própria experiência para dar exemplos aos altetas (Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)

Você treinou bem o Palmeiras em 2009, deixou ótima impressão... Depois disso, já é referência na Série B. Que avaliação você faz desses últimos dois anos, em que sua carreira se tornou mais visível?
Saí do Palmeiras, fui para o Goiás, pegamos o time em último e chegamos em quarto no campeonato estadual. Falei para eles que estavam brincando. Dizia que se não reforçassem a equipe para o Brasileiro, iriam cair. E o que aconteceu? Fui demitido depois de duas derrotas, e fui para a Ponte Preta. O que eu disse a eles aconteceu, caíram. Na Ponte, só não fiquei por falha de comunicação. Não queria sair, e a diretoria não queria que eu saísse. Só por isso. E nós nos arrependemos depois. Aí vim para a Portuguesa e as coisas estão dando certo, com o respaldo dos jogadores e da direção, que estão entendendo o tamanho desse clube, estão sabendo se identificar com a Lusa. Não é querer me vangloriar, mas acho que estamos fazendo as coisas certas.

Sua filosofia de trabalho é essa? Fazer o jogador se identificar com o clube?
Meu filho me ensinou muita coisa. Sempre fui simples, mas meu filho que faleceu, o Leonardo, tinha uma maneira de vida simples demais, veio ao mundo para fazer o bem. Com oito anos, ajudou a socorrer minha mulher numa isquemia que ela teve. O Lucas também, é uma criança muito boa. Quando meu filho morreu, aprendi que você não leva nada aqui, nem a vaidade. Então por que não viver ao máximo onde você está? Por isso que sempre me esforcei, sempre corri. Tento passar isso aos jogadores. Se eles comprarem isso, temos chances enormes de dar certo.

Penso no meu filho a cada minuto. Mas trocaria todas as minhas alegrias, alguns bens materiais, tudo para ter ele aqui comigo"
Jorginho

Essa sua experiência de vida tão dolorida, perdendo familiares... Qual a interferência disso no seu trabalho?
Penso no meu filho a cada minuto... Mas trocaria todas as minhas alegrias, alguns bens materiais, tudo para ter ele aqui comigo... Voltaria a ser servente de pedreiro, como fui com meu pai, para ele estar aqui. Penso nele e no Lucas, a cada minuto e segundo. O Lucas ainda tem uma vida pela frente e é um filho maravilhoso. Como o Leonardo foi, e vai ser eterno...

Você conversa com seus atletas sobre essa sua experiência?
Claro, eles têm de aprender que a vida de futebol é curta, nem todo mundo que te abraça é seu amigo. Tem de saber quem é quem. Amigo não é aquele que te afaga na hora ruim, ele também te dá porrada e mostra o que é ruim. Amigo dentro do futebol você só descobre quando acaba, porque dentro de campo tem de ser colega, defender qualquer um, independentemente de ser amigo de um ou outro. Todos têm de ter tratamento igual, o craque ou o reserva. O aprendizado não é fácil... Mas foi a cruz que Deus me deu para carregar. Essa é minha vida.

Você falou de colegas no clube, e amigos depois. Você fez muitos amigos da sua carreira de atleta?
Amigos, mesmo, poucos. O Toninho Cecílio (técnico do Americana), o Ivan Izzo (auxiliar de Dorival Júnior)... Os dois me ajudaram quando perdi meu filho. Meu compadre Betinho (ex-atacante do Palmeiras). São caras que jogaram comigo e se tornaram meus amigos, frequentam minha casa. Isso porque já devo ter trabalhado com uns mil atletas.

Algum técnico te inspira na sua carreira atual?
Aprendi com todos, o bom e o ruim. O que tinha de bom eu peguei, o de ruim amassei. Trabalhei muito tempo com o Leão, excelente profissional, apesar de passar um pouquinho do limite às vezes (risos). Oswaldo de Oliveira também, Servílio... Roberval Davino, pessoa sensacional, os caras não dão a mínima para ele, mas é excepcional.

E do seu estilo dentro de campo, conseguiu trazer algo para o banco de reservas?
Como atleta eu era nojento, meio metidinho. Então desde novo eu achava que conhecia alguma coisa de tática, e aí contribuía com meus treinadores. Muitas vezes deixava de aparecer com qualidade para poder cumprir uma função e resolver problemas táticos. Desde os 23 anos que penso em ser treinador, é algo que vem de dentro. Isso tem de nascer com você. É preciso ter o dom para ser técnico, porque nada é fácil nessa profissão.

Se não fosse técnico, você se imaginaria em outra função?
Policial ou piloto de Fórmula 1. Tamanho para isso eu tenho (risos). E vou dizer para você... Eu seria fera. Hoje não sei se piloto bem, mas abusado eu seria.

O seu sucesso profissional conforta o que a vida te tirou?
Se você está dizendo da perda do meu filho, da minha irmã, do meu pai... Nada me conforta. Talvez o sucesso amenize um pouco a dor. Ameniza um pouquinho, mas... Nada conforta. É brabo... Essa parte vocês cortam (risos).

jorginho portuguesa treinador (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)Equipe do GLOBOESPORTE.COM registra entrevista de Jorginho (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)

Com tudo isso, você se considera um cara “cascudo”?
Sim, estou mais calejado com a vida, mas também com o futebol. Quando era jogador, fui afastado do Palmeiras. Também doeu muito, mas aprendi. Não gostaria disso para nenhum atleta. Por isso cobro deles o empenho máximo para que ninguém desconfie. Porque são eles que fazem o jogo acontecer e ganham. Você vê o Guardiola, por exemplo. É técnico do Barcelona, maior time do mundo, mas não seria nada se os jogadores não ganhassem o que ganham dentro de campo. O negócio é resolvido lá dentro, a experiência do técnico só ajuda um pouco.

Lá tem o Guardiola, e aqui o “Jorgiola”, é isso?
Nada disso (risos). Aí é palhaçada! Outro dia me perguntaram se eu era melhor que o Guardiola. Disse que sou o segundo melhor do Brasil, e todos os outros eram os primeiros. Não tenho vaidade alguma, porque isso não leva a nada.

Com toda essa badalação, essa brincadeira de “Barcelusa”... Você teme perder algum jogador para a Série A?
Se for uma oportunidade boa, não tem como segurar. Seria até injusto com o jogador e o clube, os dois têm de ser beneficiados. Mas independentemente de perdermos peças ou não, a Portuguesa vai conquistar esse título. Tenho fé nisso.

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