Pai coruja e marido dedicado, Tite apresenta família e vida fora do Timão

 

Pai coruja e marido dedicado, Tite apresenta família e vida fora do Timão

Entre livros, camisas e chimarrão, técnico mostra como esposa e filhos o ajudam a relaxar no momento de decidir o título do Campeonato Brasileiro

Por Carlos Augusto FerrariSão Paulo

 

É no 16º andar de um belo condomínio na Zona Leste de São Paulo que Tite tenta esquecer por algumas horas do cargo de técnico de um dos clubes mais populares do país. Táticas, treinos, números, cobranças e adversários saem da cabeça do treinador assim que a porta do confortável apartamento se abre diretamente para o sorriso luminoso da esposa Rosmari e da filha Gabriele. Na escassez de tempo de um dos empregos mais cobiçados do futebol brasileiro, Adenor Leonardo Bacchi se agarra à família para recarregar as energias e levar o Corinthians ao tão sonhado quinto título nacional.

Confira, nesta quinta, a segunda parte da visita à casa de Tite

Tentando abandonar o rótulo de treinador extremamente sério e com vocabulário rebuscado, Tite recebeu o GLOBOESPORTE.COM em sua casa com um visual despojado, brincadeiras na ponta da língua e chimarrão nas mãos. O traje social deu lugar ao jeans e ao tênis. No rosto, o semblante de alívio. Domingo, o Timão obteve uma valiosa vitória por 1 a 0 sobre o Cruzeiro, em Sete Lagoas-MG, e manteve a liderança do Brasileiro a oito rodadas do fim. Hora de relaxar, mas nem tanto.

- Treinador só desliga quando for jogo de domingo a domingo e o time dele jogar muito e vencer. Na segunda-feira, posso vir aqui (aponta para a churrasqueira), respiro fundo, tomo minha caipirinha e digo que não vou falar de futebol. Mas dá uma ou duas horas e vem tudo de novo (risos). Eu gosto disso. O futebol é minha realização. Acho que meu filho aprendeu futebol de tanto que eu ficava em casa falando de posicionamento, de outros jogos. Aqui, na televisão, eu acerto o time dos outros. Mas, às vezes, tenho minhas pausas para tomar chimarrão, ler um livro ou ir ao cinema – afirmou.

Tite se transforma em pai babão e marido apaixonado quando descem pelas escadas a esposa Rosmari e a filha Gabriele. Com elas por perto e os telefonemas diários para o filho Matheus, que estuda nos Estados Unidos, a tumultuada saída de Chicão da equipe, a recuperação de Adriano e as lesões de Liedson não têm vez. Foi com o apoio dos familiares que o treinador decidiu em 2010 aceitar o convite feito pelo presidente do Timão, Andrés Sanches, para assumir a equipe em meio ao jejum de sete partidas sem vencer na reta final do Brasileirão.

- Vamos para 27 anos de casados. Eu, com 22 anos, vim para São Paulo (jogar pela Portuguesa). Ela tinha 19 e veio junto, abraçou a causa. No ano passado, elas estavam com as malas prontas, colégio certo para irem para os Emirados Árabes Unidos comigo. Eu liguei e disse: “Rose, espere um pouco porque o Corinthians me ligou”. Ela já falou na hora: “Já sei, você vai voltar”. Abortamos tudo para que eu voltasse – recordou.

Rose, espere um pouco porque o Corinthians me ligou. Ela falou na hora: Já sei, você vai voltar
Tite, sobre decisão de assumir o Timão

Mais do que cuidar da casa enquanto o marido quebra a cabeça para levar o Corinthians ao título, Rosmari virou uma quase psicóloga de Tite. Nos momentos de dificuldade, a esposa ouve pacientemente as queixas do técnico sobre os problemas vividos no CT Joaquim Grava.

- Eu sei que ele precisa colocar para fora e fico só ouvindo. Às vezes, fazemos um churrasco e ele vai contando as coisas enquanto acende o fogo. É bom que assim fico sabendo de tudo o que está acontecendo – contou Rose, como é chamada pelo marido.

A esposa, aliás, foi determinante para que Tite decidisse apostar no banco de reservas para ganhar a vida. Aos 27 anos, o meio-campista, vice-campeão brasileiro em 1986, pelo Guarani, decidiu pendurar as chuteiras após seguidas lesões nos joelhos. Depois de tentativas de um novo rumo (ao cursar a faculdade de educação física e como comentarista de rádio), Rosmari percebeu que o destino dele seria outro.

- Eu tive seis ou sete lesões de joelho e, na volta de uma delas, quebrei um prato na parede por não conseguir jogar em alto nível. Nunca pensei em ser técnico, mas fui convidado por um amigo para ser preparador físico e jogar por um clube de segunda divisão (Guarany de Garibaldi-RS). O campo era um tapetinho, mas no segundo jogo meu joelho inchou de novo e larguei de vez. Foi aí que o treinador saiu do clube e um diretor me convidou para assumir a equipe nos últimos cinco jogos. Ganhamos quatro, perdemos um e quase classificamos. Toda minha motivação de ser jogador canalizei para ser treinador. Ainda fiquei um ano como comentarista, mas, um dia voltando para a casa, a Rose me disse: “Vá para dentro de campo, quero ver você estressado, xingando, mas realizado”.

- Com o brilho nos olhos – emendou Rosmari.

tite corinthians especial (Foto: Marcos Ribolli/GLOBOESPORTE.COM)Tite promete marcação 'estilo Ralf' no futuro namorado de Gabi (Foto: Marcos Ribolli/GLOBOESPORTE.COM)

Tite só não quer perder a seriedade quando o assunto é a filha de apenas 16 anos. O treinador promete uma marcação ao “estilo Ralf” assim que o primeiro namorado for apresentado à família. Gabriele, porém, não pensa nisso no momento. A ideia é seguir os passos do irmão e realizar um intercâmbio, dando tempo para Adenor se acostumar com o futuro papel de "sogrão", mas sem dar muito espaço.

- Quando o namorado vier, vou olho no olho, mirar de cima a baixo. Vou estar espiando ele e ela (risos). Com o homem é diferente, você mete pilha, incentiva. Eu falo até que vou sair junto com o Matheus. Com ela, é: “com quem vai, que horas volta?”. Agora, ela está pensando em estudar fora. Eu estou ferrado (risos)!

- Do mesmo jeito que ele é grosso quando precisa dar uma resposta mais contundente em uma entrevista, aqui também é assim. Mas isso faz parte de ser pai - ponderou Gabi.

A paixão por camisas e livros

tite corinthians especial (Foto: Marcos Ribolli/GLOBOESPORTE.COM)Rosmari e Gabi escolhem as camisas que Tite usa
(Foto: Marcos Ribolli/GLOBOESPORTE.COM)

As mulheres da casa possuem outra missão além daquela de fazer o técnico relaxar nos poucos momentos de folga. Rosmari e Gabriele são as responsáveis por comprar e preparar as camisas que Tite usa nos jogos. Os modelos ocupam uma parte considerável do guarda-roupas do casal. Há também uma regra básica: não escolher cores que tenham qualquer relação com rivais. No Corinthians, o treinador opta principalmente por preto ou cinza. Verde, nem pensar!

- Nós é que cuidamos e escolhemos. O Matheus também fala, às vezes. Deixamos tudo separado por cores para ele. Mas não é fácil achar, principalmente alguma com preto e branco – explicou Rose.

A estratégia de mudar a forma de conduzir as coletivas, deixando escapar até alguns palavrões, atingiu também a roupa de Tite. Depois de apostar nos ternos, linha que também ganhou destaque com Vanderlei Luxemburgo, o treinador percebeu que deveria adotar um estilo mais jovem para estar próximo aos jogadores.

- Eu comecei a carreira de técnico muito cedo. Tinha 30 e trabalhava com atletas de 34. Não era certo me vestir com tanta seriedade. A camisa fica melhor. Eu também fui mudando, fui ficando mais leve. O tempo vai dando isso a você – avaliou o comandante.

Com poucas horas de folga até que o trabalho recomece no Corinthians, técnico prefere a companhia dos livros. Na maioria deles, com assuntos relacionados ao futebol e ao esporte. A grande referência do treinador é “Cestas Sagradas”, do treinador americano de basquete Phil Jackson, 11 vezes campeão da NBA. Em 2005, Tite, desempregado, viajou à Itália para aprender com Fabio Capello o esquema 4-4-2 com duas linhas de quatro. De lá, voltou com a publicação “Elementi di Tattica Calcistica”, de Franco Ferrari. Recentemente, ele presenteou o elenco do Timão com “Nunca Deixe de Tentar”, de Michael Jordan.

- É um livro extraordinário. Grifo e rabisco as mensagens que são importantes. A leitura sempre fez parte da minha vida. Fico fascinado por absorver uma informação. Eu tinha um professor na faculdade que falava um monte de coisa na aula e depois dizia que era mentira, que tínhamos de analisar tudo aquilo. Ele nos fazia pensar. É isso que tento fazer com meus jogadores.

Tite recomenda (Foto: ArteEsporte)Confira a lista de livros preferidos do técnico Tite, do Corinthians (Foto: ArteEsporte)

Caseiro, Tite dispensa a agitação de São Paulo. No retorno à capital paulista no fim do ano passado, o treinador tentou aproveitar as opções da cidade, mas teve problemas com um torcedor do arquirrival Palmeiras, justamente no período de polêmica pela possibilidade de o Verdão facilitar alguns jogos para os adversários só para prejudicar o Timão na briga pelo título.

- Nós temos que selecionar até quando saímos para um restaurante. Eu não sou de engolir sapo. Se alguém me desrespeitar, vou mandar de volta. Na reta final de 2010, fomos em uma segunda-feira à tarde para ver um filme no cinema. Na fila, um cara todo “bombado” falava: “Não vai dar, professor”. Eu respondia: “Vai dar”. Ele veio e falou de novo. Eu respondi, já bravo: “Vai dar, sim”. Em seguida, ele levantou a manga da camiseta e tinha um símbolo do Palmeiras. Eu brinco com a Rose que só não encarei o cara porque ela estava junto (risos) – finalizou.

A família Bacchi agradece o poder de se controlar, Tite.

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