Artilharia do Barcelona: a Messi o que era de César, com asterisco...

 

Artilharia do Barcelona: a Messi o que era de César, com asterisco...

Pulga supera recorde de gols em jogos oficiais do ídolo César Rodríguez Álvarez, dos anos 40/50. Mas ainda tem a bater o filipino Paulino Alcántara

Por Márcio MaráRio de Janeiro

 
César Rodriguez, segundo maior artilheiro da história do Barcelona (Foto: Divulgação / Site Oficial do Barcelona)A cabeçada era um dos pontos fortes de César
Rodriguez (Foto: Divulgação / Site Oficial do Barça)

O episódio ocorreu no início dos anos 1950. Muito antes de Messi, Xavi, Iniesta & Cia., o Barcelona já era o time da moda. Até que nos anos 1960 o Real Madrid de Di Stéfano e Puskas e o Santos de Pelé e Coutinho tomassem para si os holofotes, a camisa azul-grená imperava. Kubala era o craque daquele time, que em partida contra o Real Murcia teve pênalti inexistente marcado a favor. Ajeitava a bola para a cobrança César Rodríguez. Artilheiro, ídolo, fiel escudeiro de Kubala, o "Divino Calvo", ou "Peruca", como era carinhosamente chamado, sentia-se desconfortável.

César não queria fazer aquele gol. Honesto e cavalheiro como poucos, via ali um favorecimento ilícito. E não teve outra alternativa. Bateu bem diferente do estilo que marcou sua carreira. O tiro, sempre potente tanto com a perna direita como com a esquerda, saiu fraco. O craque atrasou a bola na direção do goleiro. Tornou-se autor de um fair play pouco visto no mundo do futebol. Esse era César Rodríguez. E o gol nem lhe fez falta. Só agora, no século 21, teve seu recorde superado. Simplesmente pelo maior jogador do mundo. Tal como sempre invadiu a área com dribles em velocidade e bola colada no pé, Lionel Messi segue a sina dos números que batem marcas. Agora o Pulga é top 1 na artilharia pesada culé. Mesmo que com ressalvas...

barcelona 1950-53 (Foto: Divulgação/ Site oficial Barcelona)Barça legendário dos anos 1950, chamado de Time das Cinco Copas: César Rodríguez (primeiro no alto, à esquerda) formou ataque histórico com Kubala (primeiro abaixo a partir da esquerda), Basora (segundo), Moreno (quarto) e Manchon (quinto)  (Foto: Divulgação/ Site oficial Barcelona)

Após marcar 234  gols em jogos oficiais, sendo três na última terça-feira, na vitória sobre o Granada, Messi ultrapassou César Rodríguez Álvarez. Só que ainda tem um dinossauro a superar. Vale aqui, no caso, uma adaptação de um velho ditado popular: "A Messi o que era de César". Mas com asterisco... Se forem levadas em conta as partidas não oficiais, o atual camisa 10 continua atrás..  de um filipino. O primeiro asiático a desbravar o continente europeu chamava-se Paulino Alcántara. Um dos protagonistas da primeira era de ouro do Barça..

Assista aqui ao primeiro gol de Messi no Barça. Com passe de R10...

GOLS EM JOGOS OFICIAIS
LIONEL MESSI 234
CÉSAR RODRÍGUEZ 232

Nessa conta que inclui jogos não oficiais, o "Rompe Redes", como era conhecido o atacante filipino, tem 369 gols e é o principal goleador da história culé. César Rodríguez é o segundo, com 291, e Messi, o terceiro, com 253. E se o protagonista da Escola Barça da nova era encontrou estrutura e camisa poderosas no clube catalão, deve, e muito, ao suor daqueles que hoje ele tem a superar.

- Do Paulino Alcántara eu nunca ouvi falar. O único Alcántara que conheci no Barça era um médico. Mas o César Rodríguez eu conhecia. Além de grande artilheiro, foi um dos maiores jogadores da história do clube. Eu não o vi jogar lá. Cheguei um pouco depois de ele ter saído, e na época não se transmitia jogo de fora para cá, como é hoje. Mas acompanhei a carreira dele, e, já em Barcelona, senti como foi importante - afirmou Evaristo de Macedo.

Craque brasileiro dos anos 1950 que vestiu a amarelinha,  treinador de grandes clubes, com vários títulos e passagem pela Seleção, Evaristo foi um dos primeiros a experimentar a glória num grande clube da Europa. Chegou ao Barça, saído do Flamengo, em 1958, pouco depois de o furacão César, com 35 anos, ter deixado o clube rumo ao Cultural Leonesa. Evaristo, que depois também se tornou ídolo culé e do grande rival, o Real Madrid, caiu como uma luva naquele timaço azul-grená, mas sabia que César ainda era querido pela torcida.

Paulino Alcántara, maior artilheiro da história do Barcelona (Foto: Divulgação / Site Oficial do Barcelona)Paulino Alcántara: veloz, foi primeiro asiático a jogar
na Europa (Foto: Divulgação / Site Oficial do Barça)

- Era artilheiro. Batia bem de canhota e direita, cabeceava muito bem... Nós nos tornamos grandes amigos, de frequentar a casa um do outro, e eu sentia sempre na rua o carinho do torcedor com ele. Era muito assediado para dar autógrafos, um ídolo mesmo. Fez uma dupla de área com o Kubala fantástica - disse Evaristo.

Time das cinco Copas

De fato, César, nascido em León em 29 de junho de 1920, teve história marcante. Habilidoso, dono de chute potente e muito bom cabeceador - era o ponto forte -, foi contratado pelo Barcelona em 1939, ainda garoto, com 19 anos, por uma pechincha, logo após o fim da Guerra Civil Espanhola. Mas ele ainda tinha de se apresentar para o serviço militar. Foi para Granada em 1940. Emprestado ao clube local, o conduziu pela primeira vez à primeira divisão do país e só retornou à Catalunha em 1942. Aí  começou sua história culé.

Três anos depois, conquistou no Barça seu primeiro título espanhol em 1945. Depois, obteve mais quatro - em 1948, 1949, 1952, e 1953. Mas foi a partir da temporada 1951-1952 que passou a formar uma das maiores duplas de ataque do futebol mundial. A dobradinha com László Kubala tinha ainda a companhia de jogadores notáveis como Basora, Moreno e Manchón. Com os cinco na linha de frente, o Barça virou o grande temor dos adversários.

Não o vi jogar, mas César era artilheiro. Batia bem de canhota e direita, bom na cabeçada. Era muito parado nas ruas de Barcelona. Ficamos muito amigos"
Evaristo de Macedo

Basora, César, Kubala, Moreno e Manchón, juntos, ganharam em um ano cinco Copas diferentes (da Liga, da Espanha, a Latina, Eva Duarte e Martini Rossi). O ataque figura até hoje como um dos maiores da história do futebol. César não só chegou à Fúria como se tornou o maior artilheiro culé. Além disso, com 14 gols, é o terceiro maior goleador do "El Clásico", como é chamado o duelo com o Real Madrid.

- Aquele time era fantástico, como o de hoje também é. O Kubala, pra mim, foi o maior jogador do Barcelona. Mas o Messi também é sensacional. Essa coisa de comparar... Isso é muito complicado. Cada jogador foi importante e decisivo em seu tempo. Épocas diferentes, times diferentes. O Messi teve uma sorte incrível com essa geração. Xavi, Iniesta, Busquets... E, na minha opinião, naquela época os times se fechavam mais contra a gente do que com o Barcelona de hoje. Nesse ponto, o César teve desvantagem. Além do mais, ele não pegou o tempo do Camp Nou - lembrou Evaristo.

Se o ídolo brasileiro aproveitou a sequência do timaço catalão e faturou três Copas da Uefa (1958-1959-1960), dois Campeonatos Espanhóis (1959-1960) e duas Copas do Rey (1958-59 e 1962-63), César, já veterano, ainda fez história. Com 35 anos, parou no Barcelona, mas foi no ano seguinte para sua cidade natal e resolveu voltar aos gramados no Cultural Leonesa. Após rápida passagem pelo Perpiñán francês, transferiu-sei para o Elche e lá viveu seu melhor momento  fora da Catalunha. Entre 1957 e 1960, conduziu o clube da terceira para a primeira divisão espanhola. Depois, virou treinador, passando inclusive pelo Barça, entre 1963 e 1964. Morreu em 1995, mas até hoje nas ruas da cidade é tratado como uma lenda.

Paulino Alcántara, o filipino catalão

GOLS EM JOGOS NÃO OFICIAIS
PAULINO ALCÁNTARA 369
CÉSAR RODRÍGUEZ 291
LIONEL MESSI 253

Se Messi já se igualou a César Rodríguez em gols marcados em partidas oficiais, ainda tem pela frente um outro mito para desbancar. Aos 24 anos, cheio de vida, futebol e futuro, o argentino obteve a arrancada consagradora nos números. Considerado por muitos o maior jogador da história do Barcelona - há cada vez menos quem discuta a superioridade sobre Kubala, ídolo-mor dos anos 50, ou Ronaldinho Gaúcho, protagonista do resgate nos anos 2000 do jogo vitorioso e artistico da escola Barça que vigora nos dias atuais -, agora o Pulga  tem pela frente um ídolo que chegou à Catalunha pelas Filipinas.

Primeiro asiático a desbravar o continente europeu no mundo da bola, Paulino Alcántara é o recordista de gols em partidas não oficiais. Balançou as redes 369 vezes em 357 partidas. Números fantásticos. Nas ruas, já nem se fala muito desse ídolo, que chegou a Barcelona em 1912. Mas o museu do clube deixa vivos os seus feitos e faz um dos primeiros ídolos ser lembrado até hoje. Entre os anos 1910-1920, o "Rompe Redes", como era conhecido, foi um dos que conduziram o clube catalão à sua primeira era de ouro. 

Paulino Alcántara - Barcelona (Foto: Divulgação / Site Oficial do Barcelona)Paulino Alcántara fez 369 gols com camisa do Barça em jogos não oficiais: veloz, filipino tinha canhão nos pés e passou a ser chamado de "Rompe Redes" (Foto: Divulgação / Site Oficial do Barcelona)

Pelo menos um recorde de Paulino Alcántara não será batido por Messi, estreante na equipe de cima azul-grená com 16 anos. O filipino debutou no Barça, após se contratado pelo então presidente Juan Gamper, com apenas 15. E marcou três gols no Català, na goleada por 9 a 0.

Veloz, técnico e com faro de gol, Paulino acabou retornando às Filipinas, onde foi estudar Medicina. Retornou à  Espanha três anos depois. O Barça, com jejum de títulos desde a sua saída, reencontrou os bons momentos. Acompanhado de jogadores como Emilio Sagi Liñan, Ricardo Zamora, José Samitier e Féliz Sesúmaga, comandou a primeira era de ouro azul-grená. O clube conquistou sete Copas da Catalunha e quatro Copas da Espanha. Somando tudo, foram 17 títulos conquistados na era Alcántara.

evaristo macedo barcelona (Foto: Divulgação)Evaristo de Macedo chegou ao Barça pouco depois
da saída de César Rodríguez (Foto: Divulgação)

Com 18 anos, defendeu a seleção catalã, após ter jogado pelas Filipinas ainda mais novo. Com 25, conseguiu a proeza de vestir a camisa da terceira seleção em sua carreira. Atuou pela Fúria Roja em cinco partidas. Em partida pela Espanha ganhou o apelido de "Rompe Redes", ao furá-las ao disparar canhão contra a França.

Paulino Alcántara se aposentou com 31 anos e abraçou a outra profissão escolhida, a de médico. Depois, voltou ao clube catalão para ser dirigente e ainda se tornou treinador da seleção espanhola. Foi também o primeiro jogador a escrever um livro autobiográfico. Nas Fillipinas, foi homenageado com uma estátua em frente à Federação Filipina de futebol . Nada, no entanto, lhe deu mais projeção do que os gols com a camisa do Barça. Não à toa, ficou por lá até morrer, em 1964, com 67 anos, cheio de boas lembranças. Como as arrancadas com a bola dominada em velocidade. Característica parecida com a de um certo baixinho argentino, que agora terá nova caminhada para tirar-lhe o recorde de gols azul-grená.

 

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