O episódio ocorreu no início dos anos 1950. Muito antes de Messi, Xavi, Iniesta & Cia., o Barcelona já era o time da moda. Até que nos anos 1960 o Real Madrid de Di Stéfano e Puskas e o Santos de Pelé e Coutinho tomassem para si os holofotes, a camisa azul-grená imperava. Kubala era o craque daquele time, que em partida contra o Real Murcia teve pênalti inexistente marcado a favor. Ajeitava a bola para a cobrança César Rodríguez. Artilheiro, ídolo, fiel escudeiro de Kubala, o "Divino Calvo", ou "Peruca", como era carinhosamente chamado, sentia-se desconfortável.
César não queria fazer aquele gol. Honesto e cavalheiro como poucos, via ali um favorecimento ilícito. E não teve outra alternativa. Bateu bem diferente do estilo que marcou sua carreira. O tiro, sempre potente tanto com a perna direita como com a esquerda, saiu fraco. O craque atrasou a bola na direção do goleiro. Tornou-se autor de um fair play pouco visto no mundo do futebol. Esse era César Rodríguez. E o gol nem lhe fez falta. Só agora, no século 21, teve seu recorde superado. Simplesmente pelo maior jogador do mundo. Tal como sempre invadiu a área com dribles em velocidade e bola colada no pé, Lionel Messi segue a sina dos números que batem marcas. Agora o Pulga é top 1 na artilharia pesada culé. Mesmo que com ressalvas...
Após marcar 234 gols em jogos oficiais, sendo três na última terça-feira, na vitória sobre o Granada, Messi ultrapassou César Rodríguez Álvarez. Só que ainda tem um dinossauro a superar. Vale aqui, no caso, uma adaptação de um velho ditado popular: "A Messi o que era de César". Mas com asterisco... Se forem levadas em conta as partidas não oficiais, o atual camisa 10 continua atrás.. de um filipino. O primeiro asiático a desbravar o continente europeu chamava-se Paulino Alcántara. Um dos protagonistas da primeira era de ouro do Barça..
Assista aqui ao primeiro gol de Messi no Barça. Com passe de R10...
GOLS EM JOGOS OFICIAIS | |
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LIONEL MESSI | 234 |
CÉSAR RODRÍGUEZ | 232 |
Nessa conta que inclui jogos não oficiais, o "Rompe Redes", como era conhecido o atacante filipino, tem 369 gols e é o principal goleador da história culé. César Rodríguez é o segundo, com 291, e Messi, o terceiro, com 253. E se o protagonista da Escola Barça da nova era encontrou estrutura e camisa poderosas no clube catalão, deve, e muito, ao suor daqueles que hoje ele tem a superar.
- Do Paulino Alcántara eu nunca ouvi falar. O único Alcántara que conheci no Barça era um médico. Mas o César Rodríguez eu conhecia. Além de grande artilheiro, foi um dos maiores jogadores da história do clube. Eu não o vi jogar lá. Cheguei um pouco depois de ele ter saído, e na época não se transmitia jogo de fora para cá, como é hoje. Mas acompanhei a carreira dele, e, já em Barcelona, senti como foi importante - afirmou Evaristo de Macedo.
Craque brasileiro dos anos 1950 que vestiu a amarelinha, treinador de grandes clubes, com vários títulos e passagem pela Seleção, Evaristo foi um dos primeiros a experimentar a glória num grande clube da Europa. Chegou ao Barça, saído do Flamengo, em 1958, pouco depois de o furacão César, com 35 anos, ter deixado o clube rumo ao Cultural Leonesa. Evaristo, que depois também se tornou ídolo culé e do grande rival, o Real Madrid, caiu como uma luva naquele timaço azul-grená, mas sabia que César ainda era querido pela torcida.
- Era artilheiro. Batia bem de canhota e direita, cabeceava muito bem... Nós nos tornamos grandes amigos, de frequentar a casa um do outro, e eu sentia sempre na rua o carinho do torcedor com ele. Era muito assediado para dar autógrafos, um ídolo mesmo. Fez uma dupla de área com o Kubala fantástica - disse Evaristo.
Time das cinco Copas
De fato, César, nascido em León em 29 de junho de 1920, teve história marcante. Habilidoso, dono de chute potente e muito bom cabeceador - era o ponto forte -, foi contratado pelo Barcelona em 1939, ainda garoto, com 19 anos, por uma pechincha, logo após o fim da Guerra Civil Espanhola. Mas ele ainda tinha de se apresentar para o serviço militar. Foi para Granada em 1940. Emprestado ao clube local, o conduziu pela primeira vez à primeira divisão do país e só retornou à Catalunha em 1942. Aí começou sua história culé.
Três anos depois, conquistou no Barça seu primeiro título espanhol em 1945. Depois, obteve mais quatro - em 1948, 1949, 1952, e 1953. Mas foi a partir da temporada 1951-1952 que passou a formar uma das maiores duplas de ataque do futebol mundial. A dobradinha com László Kubala tinha ainda a companhia de jogadores notáveis como Basora, Moreno e Manchón. Com os cinco na linha de frente, o Barça virou o grande temor dos adversários.
Basora, César, Kubala, Moreno e Manchón, juntos, ganharam em um ano cinco Copas diferentes (da Liga, da Espanha, a Latina, Eva Duarte e Martini Rossi). O ataque figura até hoje como um dos maiores da história do futebol. César não só chegou à Fúria como se tornou o maior artilheiro culé. Além disso, com 14 gols, é o terceiro maior goleador do "El Clásico", como é chamado o duelo com o Real Madrid.
- Aquele time era fantástico, como o de hoje também é. O Kubala, pra mim, foi o maior jogador do Barcelona. Mas o Messi também é sensacional. Essa coisa de comparar... Isso é muito complicado. Cada jogador foi importante e decisivo em seu tempo. Épocas diferentes, times diferentes. O Messi teve uma sorte incrível com essa geração. Xavi, Iniesta, Busquets... E, na minha opinião, naquela época os times se fechavam mais contra a gente do que com o Barcelona de hoje. Nesse ponto, o César teve desvantagem. Além do mais, ele não pegou o tempo do Camp Nou - lembrou Evaristo.
Se o ídolo brasileiro aproveitou a sequência do timaço catalão e faturou três Copas da Uefa (1958-1959-1960), dois Campeonatos Espanhóis (1959-1960) e duas Copas do Rey (1958-59 e 1962-63), César, já veterano, ainda fez história. Com 35 anos, parou no Barcelona, mas foi no ano seguinte para sua cidade natal e resolveu voltar aos gramados no Cultural Leonesa. Após rápida passagem pelo Perpiñán francês, transferiu-sei para o Elche e lá viveu seu melhor momento fora da Catalunha. Entre 1957 e 1960, conduziu o clube da terceira para a primeira divisão espanhola. Depois, virou treinador, passando inclusive pelo Barça, entre 1963 e 1964. Morreu em 1995, mas até hoje nas ruas da cidade é tratado como uma lenda.
Paulino Alcántara, o filipino catalão
GOLS EM JOGOS NÃO OFICIAIS | |
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PAULINO ALCÁNTARA | 369 |
CÉSAR RODRÍGUEZ | 291 |
LIONEL MESSI | 253 |
Se Messi já se igualou a César Rodríguez em gols marcados em partidas oficiais, ainda tem pela frente um outro mito para desbancar. Aos 24 anos, cheio de vida, futebol e futuro, o argentino obteve a arrancada consagradora nos números. Considerado por muitos o maior jogador da história do Barcelona - há cada vez menos quem discuta a superioridade sobre Kubala, ídolo-mor dos anos 50, ou Ronaldinho Gaúcho, protagonista do resgate nos anos 2000 do jogo vitorioso e artistico da escola Barça que vigora nos dias atuais -, agora o Pulga tem pela frente um ídolo que chegou à Catalunha pelas Filipinas.
Primeiro asiático a desbravar o continente europeu no mundo da bola, Paulino Alcántara é o recordista de gols em partidas não oficiais. Balançou as redes 369 vezes em 357 partidas. Números fantásticos. Nas ruas, já nem se fala muito desse ídolo, que chegou a Barcelona em 1912. Mas o museu do clube deixa vivos os seus feitos e faz um dos primeiros ídolos ser lembrado até hoje. Entre os anos 1910-1920, o "Rompe Redes", como era conhecido, foi um dos que conduziram o clube catalão à sua primeira era de ouro.
Pelo menos um recorde de Paulino Alcántara não será batido por Messi, estreante na equipe de cima azul-grená com 16 anos. O filipino debutou no Barça, após se contratado pelo então presidente Juan Gamper, com apenas 15. E marcou três gols no Català, na goleada por 9 a 0.
Veloz, técnico e com faro de gol, Paulino acabou retornando às Filipinas, onde foi estudar Medicina. Retornou à Espanha três anos depois. O Barça, com jejum de títulos desde a sua saída, reencontrou os bons momentos. Acompanhado de jogadores como Emilio Sagi Liñan, Ricardo Zamora, José Samitier e Féliz Sesúmaga, comandou a primeira era de ouro azul-grená. O clube conquistou sete Copas da Catalunha e quatro Copas da Espanha. Somando tudo, foram 17 títulos conquistados na era Alcántara.
Com 18 anos, defendeu a seleção catalã, após ter jogado pelas Filipinas ainda mais novo. Com 25, conseguiu a proeza de vestir a camisa da terceira seleção em sua carreira. Atuou pela Fúria Roja em cinco partidas. Em partida pela Espanha ganhou o apelido de "Rompe Redes", ao furá-las ao disparar canhão contra a França.
Paulino Alcántara se aposentou com 31 anos e abraçou a outra profissão escolhida, a de médico. Depois, voltou ao clube catalão para ser dirigente e ainda se tornou treinador da seleção espanhola. Foi também o primeiro jogador a escrever um livro autobiográfico. Nas Fillipinas, foi homenageado com uma estátua em frente à Federação Filipina de futebol . Nada, no entanto, lhe deu mais projeção do que os gols com a camisa do Barça. Não à toa, ficou por lá até morrer, em 1964, com 67 anos, cheio de boas lembranças. Como as arrancadas com a bola dominada em velocidade. Característica parecida com a de um certo baixinho argentino, que agora terá nova caminhada para tirar-lhe o recorde de gols azul-grená.