O amor da torcida por um time de futebol pode até ser incondicional, mas a paciência tem seus limites. A crise que afeta o clube de maior tradição em Mato Grosso do Sul, o Operário, fez com que um grupo de torcedores adotasse uma medida extrema: criar o próprio time, inspirado na antiga paixão. O Novoperário, fundado há pouco mais de um ano em Campo Grande, já se prepara para entrar em campo pela primeira vez como equipe profissional e disputar a Série B do Campeonato Sul-Mato-Grossense.
O declínio do Operário, atual 40º no ranking da CBF, ficou acentuado no fim da última década, quando o time amargou dois rebaixamentos consecutivos para a segunda divisão estadual: o primeiro em 2009 e o segundo em 2011, quando herdou a vaga na Série A por desistência do Costa Rica. O nome do clube também foi atingido pela decadência. Literalmente. Por causa de uma dívida trabalhista, a Justiça concedeu a um ex-atleta, Celso Elias Zottino, a propriedade da marca. Nome e escudo estão registrados em nome do ex-jogador no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
Um dos críticos da direção do Operário-MS era o auxiliar administrativo Américo Ferreira, de 39 anos, que presidiu a torcida organizada Garra Operariana entre 2004 e 2010. Ele conta que os protestos das arquibancadas já não surtiam efeito e que se sentia frustrado com os rumos da equipe.
- Chegou um momento em que não tinha mais o que fazer. A gente não queria mais ir ao estádio para protestar contra dirigente. Fomos até o limite. Então, nos bate-papos com alguns torcedores, surgiu a ideia de que a única solução era começar do zero. Montar um time novo mesmo. A proposta foi ganhando força, até que na primeira reunião tivemos a participação de 62 sócios-fundadores. Sentíamos que era melhor gastar energia para dar uma contribuição ao futebol do que ficar apenas protestando.
Américo foi eleito presidente com mandato até 2014. Todos os símbolos aprovados pelos sócios do Novoperário têm alguma inspiração no alvinegro de Campo Grande. O preto e o branco foram preservados no uniforme, mas ganharam a companhia do dourado - uma alusão ao caminho de vitórias que o Novoperário sonha trilhar. No escudo, a crista do galo remete ao mascote operariano.
As atividades do clube são bancadas pela mensalidade dos sócios e pelo apoio financeiro de empresários fanáticos pelo Operário. As parcerias com investidores permitem ainda a manutenção de dois polos de formação de atletas em bairros da periferia de Campo Grande. Ao todo, cerca de 200 garotos com idades entre 8 e 17 anos treinam com a camisa do Novoperário sem desembolsar nada. O clube também mantém uma comissão técnica designada a buscar jovens atletas e formar a equipe para a Série B, que começa em maio. Os treinamentos acontecem semanalmente no campo do bairro Estrela do Sul.
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São pouco comuns os episódios em que membros de uma torcida reagem a ponto de tentar reescrever a história de seus clubes. Em 2004, na Inglaterra, o AFC Wimbledon foi criado para substituir o antigo Wimbledon Football Club, que mudou de cidade e de nome, passando a se chamar Milton Keynes Dons. Um ano depois, torcedores descontentes com a venda do Manchester United para um empresário americano decidiram fundar o Football Club United of Manchester, atualmente na sétima divisão inglesa. Já na Áustria, em 2005, o Austria Salzburg teve o nome alterado para Red Bull Salzburg após investimentos de uma fabricante de bebidas. A mudança motivou parte da torcida a recriar o SV Austria Salzburg, para preservar a história do antigo clube.
Futuro
Mas, afinal, o Novoperário foi criado para substituir o Operário? Se depender do que reza o estatuto do novo clube, isso não deve acontecer.
- Aprovamos um artigo prevendo que o clube se coloca à disposição para ser incorporado ou participar de fusão com outra associação do mesmo segmento. Entendemos que o Operário deve ser um só, e a ideia inicial ainda permanece, que é a de ajudar o Galo a se reerguer.
Um eventual confronto entre as duas equipes em uma competição oficial é iminente. Mas, pelo menos este ano, a chance está descartada, porque o Operário não participou do pré-arbitral da Série B. Quando o duelo ocorrer, Américo diz que vai torcer pelo empate.
- Quem sabe em 2013 ou 2014 a gente se enfrenta, na Série B ou mesmo na A? Vai ser uma partida interessante, que deve chamar a atenção de muita gente. Mas torço para que haja uma fusão ou um entendimento entre os clubes bem antes disso. Até lá, vamos procurar fazer nosso trabalho bem-feito.